Costumamos dizer que um dos inúmeros desafios de empreender é saber equilibrar as ações de curto prazo e a visão de longo prazo. Por conta da urgência das tarefas, no dia a dia é comum que os empreendedores priorizem os resultados de curto prazo, e por isso ter um planejamento estratégico é tão importante.
Este é um tema central no Quintessa em todos os programas de Aceleração que realizamos com negócios de impacto, e temos uma categoria aqui no blog com diversos conteúdos sobre Planejamento Estratégico.
Este texto reúne as principais falas do Webinar “Planejamento Estratégico para Impulsionar o Crescimento – O que aprendemos com o case da Acordo Certo”, que você também pode assistir na íntegra abaixo:
Participaram deste webinar: Eduardo Gouveia, mentor do Quintessa, investidor e conselheiro de startups, Fabiana Goulart, gestora do Quintessa e Dilson Sá, fundador e CEO da Acordo Certo. A fintech que desenvolveu uma tecnologia proprietária para melhorar a recuperação de crédito de consumidores inadimplentes chegou, em 2020, a 1 milhão de dívidas negociadas, triplicou o seu time e foi adquirida pela Boa Vista, uma das maiores empresas de recuperação de crédito.
Um bom planejamento estratégico tem 2 principais objetivos: é uma forma da empresa conseguir pensar no longo prazo e entender o que é prioridade; e é também uma forma de garantir esse alinhamento com todo o time, de que todos estejam seguindo na mesma direção.
Nos programas de aceleração do Quintessa, primeiro fazemos um diagnóstico para entender como a empresa está organizada nas suas frentes de gestão: analisamos o financeiro, gestão de pessoas, máquina de vendas, etc.
Quando entramos na Acordo Certo, nos deparamos com uma startup com um potencial gigantesco, que estava crescendo em um ritmo expressivo. De um mês para o outro o número de lideranças tinha dobrado, e muitas responsabilidades e mudanças estavam acontecendo.
Sabemos que uma premissa de sucesso para qualquer startup é atrair talentos-chave, e a Acordo Certo estava fazendo isso com muita facilidade. No entanto, contratar gente boa significa contratar gente com opinião própria, e nesse contexto de rápido crescimento, ficou muito nítida a necessidade de trazer mais robustez para o planejamento estratégico, garantindo que todos estavam caminhando para um mesmo norte.
Fizemos uma revisão de propósito, e utilizamos o OKR para delimitar quais seriam os objetivos para o próximo ciclo que nos aproximariam dessa visão.
A maioria dos empreendedores têm a impressão que planejamento estratégico é coisa de empresa grande. Afinal, essa impressão é correta? Empresas em estágio inicial não necessitam de um bom planejamento? O que muda para empresas em estágio inicial?
Eduardo Gouveia: Planejamento estratégico é sobre definir rumos e caminhos e alinhar todo mundo. Independente do tamanho e porte da empresa, você precisa ter norte, visão, missão e fazer todo mundo apontar para o mesmo lugar. Conforme a empresa vai crescendo, isso fica mais difícil e este “norte” vai se fragmentando.
Existem diferentes formas de fazer, e o principal benefício é olhar o longo prazo e direcionar todos para o mesmo caminho. Isso não significa que é uma rota fixa, é um apontamento e um olhar para onde você deve ir, e é normal que mude ao longo do tempo conforme o crescimento, e você vai fazendo revisões. Não importa o tamanho da empresa.
Já fiz planos em grandes empresas que deram errado. Além disso, muitas empresas grandes contratam uma consultoria que entrega um book de 150 páginas e fica guardado, nunca mais se olha. Isso não é fazer um planejamento estratégico.
Ter uma visão de longo prazo e entregar resultados no curto prazo é um desafio enorme. Mas o mais importante não é chegar, é ter a jornada definida e caminhar por ela. Importa que você olhe, entenda, alinhe com toda a liderança, comece a contratar pessoas com skills corretos, com base no que foi definido e realmente juntar todo mundo para caminhar nessa visão.
Um ponto importante do planejamento é que dá um reforço na cultura. Fazer junto com as pessoas, definindo símbolos e processos para seguir em frente. Hoje participo de boards de empresas grandes e sou investidor anjo em 8 startups, e a função da revisão estratégica é importante nas duas esferas, de 20 a 6000 pessoas. A essência que é o importante.
Dilson, antes da Acordo Certo, você já havia participado da criação de diversos outros empreendimentos. O que mudou, para você como empreendedor, ter um tempo dedicado para falar sobre estratégia e visão de futuro da empresa?
Dilson: Aqui na Acordo Certo desde o início montamos uma tese para o negócio e tínhamos uma estratégia muito bem definida na cabeça. A diferença do que a gente tinha lá no começo para o que foi feito com o Quintessa, foi em relação ao tamanho.
Antes era muito mais fácil comunicar o que a gente queria fazer, estávamos em 8/10 pessoas. Então o poder de decisão estava muito na minha mão e dos meus sócios, sem outros líderes tomando decisões. Quando você traz pessoas boas, traz essas pessoas para tomarem boas decisões, mas pode ser que estejam desalinhadas com a estratégia definida.
Estratégia também é saber falar não. Muitas oportunidades aparecem, e é onde acontecem os trade offs que você vai buscar no curto prazo e acaba perdendo a visão do longo prazo. Tivemos a experiência de saber falar os nãos, mas naquela época era muito mais fácil de fazer isso.
A gente se preocupou desde o começo em já criar o conceito de missão, visão e valores para criar nossa cultura desde pequenos, e começamos a execução. Tínhamos uma estratégia mas longe do formato que é agora. Depois que a empresa cresceu, a forma de comunicar e engajar todo mundo mudou de figura. Esse foi o caminho que seguimos e tivemos a sorte de ter o Quintessa nesse caminho para entender a forma de colocar no papel e comunicar para a empresa inteira.
Gouveia: Eu gosto do termo revisão estratégica, e não planejamento, porque muda e você vai revisando ela rapidamente. É um exercício de alocação de recursos: se eu tenho um recurso limitado, uma série de projetos e caminhos, preciso analisar onde colocar e não colocar dinheiro. A revisão estratégica tem que vir junto com a alocação de recursos. Tem que ter muita sabedoria em saber o que não vai fazer e ser fiel a isso.
A Acordo Certo já possuia missão, visão e valores todos definidos, mas o Gouveia investiu tempo para convencer o Dilson do quão importante seria revisitar. Por que isso?
Gouveia: Para realinhar todo mundo. A Acordo Certo é uma empresa linda, sou apaixonado pelo propósito da empresa, que é restaurar a auto estima e o poder de compra de uma pessoa, estando sempre do lado do mais fraco em uma negociação de dívida. Ela tem um propósito muito forte como essência. Isso é algo que precisava ser preservado com o crescimento da empresa.
Não foi complicado convencer o Dilson, ele rapidamente entendeu que era importante. Não foi um processo estrutural, pois já estava muito bem montado desde o nascedouro da Acordo Certo. A essência, o propósito e o porquê da companhia vêm da origem. A intenção foi: vamos parar e revisitar tudo isso pra ver se daqui pra frente continuamos com o que foi construído até agora.
Não necessariamente o que te leva até onde você está é o que vai te levar para onde você quer ir agora.
Tem uma função super importante que é alinhamento e comunicação. Quando a empresa vai crescendo, vai se fragmentando e trazendo pessoas com experiências diferentes. Então a revisão é uma forma de unir todo mundo. A principal consequência do trabalho foi juntar as pessoas e dizer: daqui a gente parte de novo.
Daqui a pouco teremos que sentar novamente, a empresa está crescendo mais e pode ter que se reconfigurar novamente pelo movimento de mercado [a Acordo Certo foi adquirida pela Boa Vista]. Então precisaremos refletir: “a essência é essa e os valores são esses, tudo o que definimos 2 anos atrás está valendo ainda para onde queremos chegar?” Junta todo mundo, envolve, comunica, engaja e segue.
Os empreendedores entenderam claramente a importância de parar e revisar. O Quintessa teve um papel essencial de organizar, aglutinar, com uma metodologia e a Fabiana como gestora coordenando o trabalho, e foi um trabalho feito a várias mãos. Eu reputo como um dos grandes trabalhos que fiz de planejamento estratégico. Um momento muito mágico foi a divulgação, ao ver o senso de pertencimento e orgulho do time inteiro.
Dilson: O que foi muito bacana na revisão é que quando você traz todo mundo pra reconstruir, você traz o senso de pertencimento: estamos construindo juntos. É diferente de criar alguma coisa e comunicar, mas sim a liderança participar e sentir que está construindo. Isso muda o jogo e as pessoas se engajam muito mais, inclusive a forma com que a liderança passa para o time é diferente.
Leia mais: Case Quintessa | Como a Acordo Certo criou um forte norte estratégico
Como foi compartilhar com o time, que tipo de sensação isso causou nas pessoas? E como isso reverberou no negócio?
Dilson: Já tínhamos desenhado os principais objetivos e o Gouveia trouxe a ideia de transformar isso em símbolos. O time de marketing pensou nesses símbolos e preparou uma experiência, entregando uma caixa na casa de todas as pessoas, para abrir somente no momento do lançamento, gerando certo suspense, chamamos de Unboxing do Futuro. Compramos um voucher no iFood para cada um dos colaboradores comprar uma cerveja e celebrar. Um dos símbolos para cada KR do OKR. Foi demais ver a reação das pessoas olhando os símbolos, que são coisas que vão usar no dia a dia: camisa, carteira, adesivos, para poder amarrar a estratégia com o dia a dia a partir da divulgação. Reverberou muito bem, todo mundo ficou super engajado.
Ao final tínhamos de uma forma lúdica e leve toda a cultura, o plano, a revisão estratégica e OKRs definidos.
Como manter esse planejamento estratégico vivo? Quais são os ritos importantes para manter o planejamento estratégico vivo e o chapéu de longo prazo ali presente no dia a dia?
Dilson: Tem que ter muita disciplina, que tem que vir da liderança.
Olhando para o processo, depois de criar toda a estratégia, tínhamos que criar os mecanismos para acompanhar o que estava acontecendo e a liderança conseguir cascatear para o time. O modelo que o Quintessa criou para dividir as metas em dois semestres foi muito bom. Estamos nessa fase agora de acompanhamento, temos uma bússola com todas as metas bem definidas, bem amarradas com os objetivos principais. Ao longo do caminho vamos pilotando com o que talvez tenha que tirar porque faltou recurso.
Estamos com um roadmap super bem definido e a liderança está alinhada. Mesmo com tudo isso temos uma série de desafios, porque saímos de 30 para 100 pessoas no meio da pandemia, com todo mundo trabalhando 100% remoto. Imaginem a dificuldade de comunicar e manter o engajamento… Não sei o que seria da gente se não tivéssemos feito isso. Dá bastante trabalho, o segredo é ser disciplinado e acompanhar o que foi desenhado.
Gouveia, a partir da sua visão como investidor-anjo, como um bom planejamento estratégico dialoga com a segurança na hora de alocar o recurso?
Gouveia: Quando a startup já tem um plano definido é muito mais fácil, porque você já consegue ter uma conversa mais estratégica, de longo prazo. Geralmente não se tem.
É fundamental olhar para o time e saber se eles têm brilho no olho e vontade de empreender. Isso é muito perceptível. Tem que ter muita vontade para empreender, trabalhar muito e ser muito dedicado. Quando você tem um time com vontade, uma boa dor para resolver, um bom propósito e execução bem feita, junto com um norte estratégico, começo a olhar com muito carinho esse negócio.
Com um planejamento montado e uma direção certa, ajuda muito a ter uma discussão de negócio.
Perguntas finais:
- Houve alguma estratégia definida para atrair os talentos certos para a Acordo Certo?
Dilson: Sim. Isso é uma das coisas com a qual me preocupei desde o princípio. Eu trabalhei bastante em banco e ambiente corporativo, nunca havia sido CEO. Eu participava da operação mas não tomava decisões. Quando assumi a Acordo Certo, estava acostumado com uma cultura competitiva, um ambiente ruim, e queria que aqui fosse diferente. Que as pessoas acordem de manhã felizes por estarem em um ambiente incrível, colaborativo e por um propósito. Então comecei a criar essa cultura. Depois, nos preocupamos em dar um pouco de conforto, ter um escritório bacana, com cara de startup, temos videogame, cervejeiras, coisas que ajudam a atrair os talentos.
Mas o ponto principal e o mais importante na minha opinião, foi ter criado o nosso processo de atração de talentos. Criamos através de uma dinâmica o arquétipo ideal que queremos ter aqui dentro: quem é o profissional que queremos, independente dos hard skills e do conhecimento técnico, mas o que ele pode trazer como pessoa pra dentro da empresa.
O processo começa no hunting, as pessoas que nos ajudam a buscar os profissionais já olham pra esse arquétipo. O gestor faz uma avaliação técnica e trazemos pessoas de outra área para uma entrevista final e entender se o candidato está no arquétipo, e também se a Acordo Certo é o lugar para ele estar, abrindo para perguntas. Com isso conseguimos ser assertivos, nosso turnover é baixo e temos tido sucesso.
Leia mais: Como identificar os talentos-chave que diferenciam o seu negócio
- Qual foi o tempo de dedicação do CEO para o planejamento estratégico?
Não sei quantificar em horas mas foi bem intenso. O processo inicial levou 2 meses, foram várias reuniões e depois da construção muitas reuniões para poder colocar a disciplina em prática. No total foram cerca de 5 meses e tive que me dedicar bastante.
- Quais as dicas para quem for fazer o planejamento estratégico ou OKR pela primeira vez?
Gouveia: Eu acho que ter a decisão de fazer, olhar e sentar já é uma grande decisão. Ter uma metodologia é fundamental para não se perder no processo.
A atuação do(a) CEO também é fundamental. É uma coisa que mexe com a empresa inteira e tem que ser, de cima para baixo. A participação massiva do grupo também é fundamental para ter o senso de pertencimento: aquele trabalho é nosso, não foi alguém que fez e trouxe.
Eu resumiria em ter uma metodologia, com envolvimento das pessoas, comunicação aberta e com atenção genuína para o processo. O Dilson teve isso como prioridade na agenda dele.
- Quais os indicadores fizeram mais sentido no início da jornada da Acordo Certo?
No começo foi importante pegar poucos indicadores e deixar isso como uma gestão a vista, pra todo mundo ver o que está acontecendo. Medimos 5, sendo eles a receita e os indicadores do nosso funil de conversão – quantas pessoas estamos atraindo para o site, nº de cadastros, acordos fechados e pagamentos feitos. Criamos um dashboard e deixamos em tempo real nas TVs da empresa, o time ficou engajado com a evolução.
- Como é feita a gestão do planejamento: qual a frequência de reuniões e quais participantes?
Tenho reuniões semanais com a liderança – 9 líderes – em que abordo quinzenalmente o tema dos KPIs que temos que atingir de forma individual. Mensalmente temos uma reunião relacionada aos KRs, envolvendo todas as lideranças responsáveis por aqueles resultados.
- Em algum momento do planejamento estratégico a atuação das áreas teve que ser revista?
Dilson: Não a atuação em si, mas como elas interagem. Com o crescimento da empresa e o home-office, acabamos criando silos, em que cada área olha somente para o seu quadrado. Foi importante criar times multidisciplinares para atuarem juntos em projetos e acabar com o conceito de áreas.
Gouveia: A empresa vai crescendo e as estruturas hierárquicas vão acontecendo. As culturas locais de cada área vão surgindo e é importante o papel da liderança nesse processo, que é juntar todos com rituais e fazer equipes multi áreas com metas compartilhadas, direcionando todos para o mesmo lugar. É preciso garantir que a cultura seja preservada. O(a) CEO deveria mudar de título para: presidente da cultura, em que o papel deveria ser 90% cuidar da visão, do longo prazo, propósito e pessoas.
- Como a empresa se articula num ambiente de recessão econômica? Como o OKR se aplica nesse caso?
Dilson: Nós temos as métricas de OKR que são básicas, por exemplo este ano a meta de conversão despencou (dos acordos feitos, quantos foram pagos). O OKR é fundamental para sabermos o que está acontecendo no cenário, ele nos mostra isso e a partir daí precisamos começar a traçar outras estratégias.
O OKR dá uma meta, mas também dá flexibilidade e autonomia para os times irem corrigindo as rotas. Se o caminho tradicional não está gerando essa conversão esperada, podemos explorar outros caminhos. Ele garante que todo mundo que tem responsabilidade sobre aquele objetivo está reunido e com responsabilidade para revisar, conversar e propor outras maneiras de chegar naquelas metas definidas.