Um bom time é o ativo mais importante de um negócio, como já mencionamos em outros textos aqui no blog. Porém, em geral, é difícil para as startups conseguirem competir com as grandes empresas em termos de remuneração.
É nesse cenário que surge o vesting, um modelo comumente utilizado para atrair talentos oferecendo uma participação na sociedade. Dessa forma, a startup consegue reter talentos com salários inferiores aos praticados pelo mercado, pois parte da remuneração é compensada com uma porcentagem do capital da empresa, além de assumir um papel estratégico no negócio.
O vesting se baseia em uma expectativa de valorização futura do faturamento da empresa e no desempenho e contribuição daquela pessoa para o crescimento desse faturamento.
Como definir a porcentagem?
Existem duas formas para definir o quanto será oferecido: pelo valor de mercado do profissional, ou o valor que essa pessoa representa para a empresa.
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Pelo valor de mercado da pessoa
Neste formato, é preciso comparar o salário que ela irá receber na startup com o valor de mercado que ela receberia. E assim, faz-se um cálculo do quanto de vesting será necessário para ‘compensar’ essa diferença.
Esta opção faz sentido para startups em estágio mais avançado ou na contratação de um funcionário com perfil executivo.
Veja um exemplo:
Você quer contratar uma CTO e quer pagar R$5.000 de salário, quando o valor de mercado dela é R$20.000.
- Se o valor de mercado desta CTO é R$ 20.000 mensais e o salário oferecido é de R$5.000, você está deixando de pagar a ela R$15.000 mensais.
- Isso significa R$180.000 anualmente. Ou seja, no primeiro ano, ela deveria ter o equivalente a R$180.000 em equity e mais alguma compensação pelo fato de que ela está correndo um risco. Considerando o risco, vamos arredondar para R$200.000.
- Se a startup vale, ao final deste 1º ano de trabalho dela, R$ 10 milhões e a diferença é de R$200.000, a porcentagem de participação que deve ser oferecida é de 2%.
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Pelo valor que ela representa para a empresa
Se o negócio ainda está em um estágio muito inicial mas para crescer você precisa daquele talento-chave, é mais difícil atrelar a participação a uma compensação exata, porque a startup não tem um valor expressivo de mercado e o risco é maior para esse colaborador.
Nesse caso, a participação é definida a partir de parâmetros do mercado e estágio em que a empresa se encontra.
Por exemplo, você quer contratar um COO e pode pagar R$3.000 de salário, quando o valor de mercado é de R$ 15.000. Sua empresa não tem um valuation suficiente para calcular como no exemplo anterior. Então algumas considerações a serem feitas são:
- Um COO é a segunda pessoa mais importante para o seu negócio neste momento.
- O negócio está em estágio inicial, o modelo ainda não está validado e existe um risco significante do projeto não ir para a frente.
- Neste caso, o valor não pode ser definido por um racional como no primeiro exemplo, então a porcentagem vai variar de startup para startup, seguindo a premissa de oferta e demanda. Talentos que são chaves e escassos no mercado demandarão uma porcentagem maior do que cargos menos estratégicos.
Aqui no Quintessa, presenciamos startups nestes estágios oferecerem até 7% para uma única contratação. Seria muito alto para um empresa já estabelecida e com mais funcionários, mas neste contexto a porcentagem é necessária para trazer o COO para dentro.
Esta forma de definição acaba sendo mais baseada em referências do que cálculos, então é indicado colher feedback de outros empreendedores que trabalham nesta área antes de bater o martelo na porcentagem.
Como funciona na prática?
O tempo de duração de um acordo de vesting varia de negócio a negócio, mas um caminho comum no mercado é que o processo tenha duração de 4 anos, sendo 1 ano do período de teste, chamado de cliff.
O cliff é um estágio de “avaliação” do(a) futuro(a) sócio(a), antes de dar direito a um percentual nas participações da empresa. Ou seja, a startup tem 12 meses sem qualquer transferência de ações para ter certeza do valor desta pessoa, e depois se inicia o processo.
Caso a pessoa saia antes de completar o período de um ano, não tem direito à participação, o que traz segurança para o negócio caso haja uma saída precoce ou um desempenho abaixo das expectativas.
Na prática, o processo pode ser operacionalizado de três formas:
- Por meio do prazo estabelecido: esta é a forma mais comum. Se o total de participação for de 5% e o contrato é de 4 anos, a cada ano é transferido ¼ dessa participação, ou seja, a cada ano o contratado tem direito de vestir 1.25% da participação societária. Caso ela saia antecipadamente, faz-se um cálculo para entender com quanto ela fica, e o saldo restante permanece com os acionistas que estavam diluindo originalmente.
- Atrelado a metas ou gatilhos específicos (aumento da carteira de clientes, por exemplo): a transferência da porcentagem fica condicionada ao atingimento de metas.
- Mix das duas formas anteriores: é estabelecido um prazo e nesse período são feitas avaliações semestrais e anuais de desempenho, podendo ainda oferecer valores adicionais ao atingir ou superar as metas, como forma de incentivo.
Vamos supor que você deseje contratar um Diretor de Marketing para o seu negócio. Para não comprometer o fluxo de caixa atual pagando um salário alto mensal, você decide dar ao novo diretor o direito de vestir 5% de ações em 4 anos (tempo de vesting). Com o intuito de diminuir o risco da contratação, faz um vesting de 4 anos, sendo 1 ano de Cliff.
Isso significa que:
- O Diretor de Marketing irá receber 1/4 das ações que ele tem de direito (5%) apenas após um ano de trabalho. Ou seja, receberá 1.25% da empresa após os 12 meses.
- Após este período, receberá o restante (3/4) das ações de direito (5%), dividido pelos meses restantes (36). Serão 36 parcelas de 0.104166%, a partir do décimo terceiro mês (Vesting atrelado à prazo).
Desenhe o vesting com o intuito de incentivar a pessoa a render mais
É possível ainda colocar um proporcional escalonado de vesting (10%/20%/30%/40%) para pessoas que terão um papel importante e que você quer garantir que serão retidas. Deixe clara a possibilidade de aumentar esta participação: se você acha que a pessoa vale 5% mas poderá valer 8% no futuro, faz sentido desenhar uma projeção começando em 5% e progredindo no futuro, atrelando à metas, por exemplo.
Vale ressaltar aqui a importância de contratar um(a) advogado(a) para estruturar um contrato de vesting que faça sentido para o seu negócio.
Vesting e relação societária
O vesting é uma forma de trazer um(a) novo(a) sócio(a) sem correr tantos riscos, garantindo um alinhamento de valores e forma de trabalho. O modelo busca garantir que a participação dos sócios seja compatível com a contribuição e envolvimento que de fato tiveram no sucesso do negócio, além de poder evitar muita dor de cabeça em uma escolha errada de sociedade.
Um exemplo de negócio acelerado pelo Quintessa que utiliza o modelo de vesting é a Telavita, startup de saúde. Neste webinar que realizamos, o empreendedor Lucas Arthur pontua os benefícios da prática:
“Na nossa estrutura societária temos uma fatia destinada a isso, para incentivar que alguns colaboradores se tornem sócios estratégicos ao longo do tempo. Tem sido extremamente eficiente porque é uma forma de criar vínculos com a pessoa e construir gradualmente a relação de sociedade ao longo do tempo – ou perceber a tempo que ela não era a pessoa correta”.
Leia mais: Dicas e práticas para um bom relacionamento com seus sócios
Um ponto de atenção para quem optar pelo vesting é o cuidado na diluição do cap table. Por um lado, uma falta de planejamento pode comprometer as rodadas de investimento futuras se o vesting acabar ocupando uma parte importante do seu capital. Por exemplo, se você pretende trazer cinco funcionários para o quadro societário por meio de vesting e cada um terá 5% de participação, isso já representa 25% da empresa.
Por outro lado, muitos fundos vão exigir que o negócio possua uma parcela do quadro societário destinada à atrair talentos (chamado de employee pool), como uma garantia da capacidade da startup em atrair e reter pessoas chave, o que acaba sendo essencial para captações de investimento. Portanto, planejar-se visando o longo prazo é essencial!
É importante também alinhar as expectativas de que a recompensa financeira pode não ser exatamente equivalente a um salário sênior de mercado, e por isso vale entender se aquela pessoa está disposta a assumir riscos, abrir mão do valor pelo desafio proposto e pelo propósito da empresa e pela possibilidade de se tornar sócia de um negócio que busca sucesso no médio/longo prazo (por isso a importância do cliff).
Este texto teve o objetivo de esclarecer os principais pontos sobre a prática. Ficou com alguma dúvida? Deixe nos comentários ou escreva para [email protected], que traremos mais conteúdos sobre o assunto!