O país do presente passa pelo empreendedorismo com governos
Texto escrito por Érico Vasconcelos, CEO da UniverSaúde – negócio acelerado pelo Quintessa
O tema ‘empreendedorismo’ vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil, mas sabemos no entanto que nem tudo é um “mar de rosas” por aqui. Em um levantamento do Banco Mundial em 2019 que avaliou a facilidade de fazer negócios em 190 países, o Brasil ocupou o 124º lugar entre os mais fáceis em fazer negócios e ainda está entre os dez piores para se pagar impostos.
Mesmo em meio a estas dificuldades há que se considerar a oportunidade empreendedora que também só cresce por aqui: um estudo sobre startups GovTech (The GovTech Index 2020) revelou que o Brasil está em 4º lugar entre os que mais tem startups atuando com Governos (entre 16 países avaliados na América Latina e incluindo Portugal e Espanha). Sim, tem um Brasil que precisa de ajuda e que se faz necessário apoiá-lo.
A pandemia pelo novo Coronavírus escancarou isto em meio a demanda pela transformação digital. O debate sobre o empreendedorismo com Governos no Brasil recai sobre a necessidade de buscarmos as soluções para as grandes questões que desafiam nossa sociedade atualmente. Da necessidade do Estado repensar a forma como presta serviços em seus diversos setores. E da necessidade de inovar e de impulsionar uma agenda que melhore a vida das pessoas na prática.
Estas foram as questões que me tocaram ao deixar o Ministério da Saúde em meados de abril de 2016. Desde 2001 atuando com Governos já tinha feito de tudo na Saúde atuando desde profissional de saúde na linha de frente até gestor nos âmbitos municipal e federal. A ação empreendedora não era exatamente uma opção, mas uma consequência natural.
O desejo de impactar mais pessoas e organizações e de ser mais útil empreendendo me tomou por completo. Perguntava-me: “de que o Brasil precisa e o que farei para isso?”, dentre outras que me incomodavam e faziam sentido. De um desejo de protagonizar e fazer valer meu propósito e minhas convicções.
Mas empreender é ainda mais que isso. Demanda sobriedade, “pés no chão” e firmeza de propósito. E a oportunidade pra mim surgia bem no meio de uma crise envolvendo novamente o Governo Federal em mais uma transição de governos pós-impeachment de um Presidente.
Atuar com Governos é mesmo um ato de coragem em nosso país e demanda um profundo conhecimento de suas idiossincrasias históricas e culturais. A UniverSaúde nasceu assim com a missão de melhorar a governança e a eficiência das organizações de Saúde nos eixos gestão, educação e tecnologias.
Nesse texto trago algumas particularidades no relacionamento e venda para o setor público, na visão de quem já vivenciou os dois lados da relação.
Quais os desafios em inovar com Governos?
Os governos são “duros”, resistentes, receosos e avessos à inovação. A legislação não confere ainda espaço para isso pois sequer dialoga com as demandas do Brasil de hoje. A rigor tudo parece conspirar para o insucesso. E é exatamente por isso que há terrenos ainda inexplorados na composição com governos quando o assunto é inovação.
O momento atual surge como “janela de oportunidade” em meio a tudo que a sociedade já conquistou em relação ao uso de tecnologias e a conexão delas com seu cotidiano. Já há tensões sociais neste sentido, mas é preciso um “saber se aproximar” e um “saber fazer”. A inovação com governos deve ser pensada com cautela a partir da ampliação do olhar para novos jeitos de fazer o que sempre foi feito, mais contextualizadas às realidades das pessoas em suas organizações.
Dessa forma, as perguntas que fazemos na validação de um negócio em qualquer mercado devem ser respondidas de forma bem pragmática e clara: Qual a dor que a sua solução resolve? Qual é o perfil do cliente? Qual o sentido de ser aplicada nos governos?
É fundamental que o próprio governo compreenda essas questões para se sentir convencido de que o trabalho com você pode fazer toda a diferença.
No caso da UniverSaúde, um dos instrumentos utilizados foi a teoria da mudança, pois deixava claro o que nós estávamos nos propondo a fazer e os indicadores para avaliar os resultados, o que ajudou muito na abordagem.
Além disso, a linguagem do gestor público é muito pautada no impacto financeiro da solução, o que torna importante explicitar como o seu trabalho irá repercutir em mais economia, vantagens e eficiência no gasto do recurso público. O principal critério de escolha de compra do governo é preço. Assim, já é um desafio escolher a melhor solução.
Outro ponto que deve ser explicitado é o resultado de curto e longo prazo, pois um desafio que encontramos é que os governantes tenham um olhar para além da perspectiva de 4 anos de governo, o que gera uma dificuldade de continuidade dos projetos com a troca dos mandatos.
Acredito que o verdadeiro sentido da inovação encontra razão e espaço quando se conecta com a “dor” do cliente, conferindo novos significados e potência para um fazer de um jeito diferente pautado sobretudo pelos sensos de maior eficiência e efetividade. Este me parece o desafio. Encontrar isto é de fato o desafio. E assim a composição flui quando estes “universos colidem” produzindo mais energia e potência para a maior sustentabilidade organizacional.
Como abordar e vender para os Governos?
A abordagem e a venda para governos primam pelos mesmos princípios de toda e qualquer venda. Relacionamento é sim a palavra-chave, mas aqui ela me parece assumir conotação de importância ainda maior.
Na prática os relacionamentos constroem as oportunidades para a consecução da ação inovadora. E é por meio destes contatos que o empreendedor vai amadurecendo, desde o seu discurso sobre o negócio até a conexão com o sentido para a realidade do seu potencial cliente. Quanto maior for a permissão para encontrar as pessoas e ouvi-las mais potência para a sensibilização e conquista de novos espaços.
Normalmente uma contratação acontece envolvendo a secretaria da pasta (segurança, educação, saúde) e o financeiro. Você até pode convencer o secretário de educação, por exemplo, em fazer uma chamada ou edital, mas terá ainda uma negociação com o financeiro que nem sempre é óbvia e muitas vezes pode inviabilizar a contratação.
Outro desafio importante para quem anseia pela aproximação com governos passa pelo diálogo da lógica de startup com as bases legais que amparam o seu processo de compra. É preciso conhecer em detalhes esta legislação para que o modelo de negócio não só faça sentido aos governos como “pare de pé” para o empreendedor.
Modalidades de compra dos Governos
Quando falamos em venda para Governos nos referimos às legislações que envolvem esses processos. São três modalidades de licitação (convite, tomada de preços e concorrência) e a compra direta – que dispensa a licitação:
Acesse a Lei completa e conheça as modalidades aqui.
Devido à pandemia do coronavírus, o Brasil decretou a Medida Provisória 961, que aumentou os limites da compra direta para R$ 50 mil no casos de serviços que não sejam de engenharia, e R$ 100 mil para obras de engenharia. Ou seja, as compras feitas até esses valores não precisam de licitação e ficam sob a vigilância dos órgãos de controle.
Das experiências que acumulamos mais bem-sucedidas na UniverSaúde foram aquelas que obedeceram a uma ação análoga ao modelo “freemium”. Ou seja, oferecer um projeto mais curto e pontual por um valor simbólico dentro do limite da compra direta. Com isso você demonstra sua competência e transmite segurança e credibilidade aos gestores públicos, fundamentais para a conquista de espaço em licitações futuras. Esse tipo de ação deverá estar estrategicamente “amarrada” com outras ações mais potentes e robustas.
Sobre os editais, uma dúvida comum de startups com propostas muito inovadoras é se não existirem outras empresas similares propondo os demais orçamentos. Nesses casos é possível fazer uma carta de exclusividade, assumindo que você é o único nesse campo de atuação. Porém, você assume uma corresponsabilidade que pode ter implicações jurídicas caso outro proponente conteste. No entanto, caso você submeta uma proposta a um edital de licitação e seja o único proponente, você ganha, mas é bem incomum que isso aconteça.
Em alguns estados existe também uma legislação de inovação em que startups podem demonstrar que possuem os atributos do edital e conseguem inexigibilidade de licitação, mas esses processos despertam muito mais a atenção e têm mais exigências de esclarecimentos pelo tribunal de contas, com uma prestação de contas mais rigorosa.
Um aspecto importante em qualquer negociação é o registro de todas as ações, interações, reuniões e acordos. Não é possível deixar nada “falado”, pois dessa forma você consegue minimizar possíveis mal entendidos. Na relação com governos esse aspecto assume uma conotação ainda mais relevante, não pode haver desorganização nas rotinas e nos processos internos e fazendo isso você se resguarda e até norteia as organizações para um maior cuidado e disciplina para a conquista dos resultados esperados também.
Por quê atuar com Governos?
Sempre ouvi que a jornada empreendedora é desafiante, especial e recompensadora. Consideremos então o empreendedorismo num país “sempre em crise” como o nosso, repleto de problemas estruturais históricos, de uma sociedade atualmente polarizada e extremamente frágil e que paga um preço indescritível por uma pandemia que escancara suas mazelas, dentre uma infinidade de outras questões.
Consideremos agora o empreender em um Brasil com os governos, àqueles com os quais não nos identificamos e criticamos sistematicamente como se os Governantes do momento tivessem “caído de paraquedas”. Não seria mais óbvio e potente considerar tais fragilidades como oportunidades e aproveitá-las para conquistar espaços com uma ação empreendedora do que se distanciar e negar a realidade dos fatos como se dela todos nós não fizéssemos parte?
Parece mesmo um ato heróico considerar os governos como público de uma ação empreendedora no Brasil. A razão pode não explicar em detalhes, mas é fato que a conexão com um possível “novo tempo” passa pela visão de gente que consegue enxergar além do alcance e que pensa e age diferente. De gente que corajosamente ainda anseia pelo melhor e que trabalha para isso. De gente que ainda não perdeu a capacidade de se indignar e muito menos a lucidez para se dar conta que a única coisa estável em nossas vidas é a finitude e a instabilidade. De gente por fim que sabe que “o dinheiro está nos governos” e que persevera com ações concretas para contribuir para um Brasil melhor.
Um Brasil que anseia pelos que se incomodam. Um Brasil que demanda cada vez mais gente que pensa fora da caixa. Um Brasil que clama por lideranças que pautem agendas concretas em meio aos desafios de hoje e do amanhã. Um Brasil que cobrará da geração atual o legado deixado para as próximas gerações. Um Brasil que pede mais empreendedores para apoiar os governos na transformação dos seus jeitos de fazer com mais inovação e tecnologias que oportunizem espaços mais saudáveis e inteligentes para se viver.
Érico Vasconcelos
CEO da UniverSaúde, negócio acelerado pelo Quintessa
É mestre em odontologia pela Universidade de São Paulo, especialista em Terapia Comunitária, em liderança e desenvolvimento gerencial de organizações de saúde e MBA em gestão de pessoas. Participou como dentista e como gestor no Ministério da Saúde da elaboração de políticas nacionais destinadas à atenção à Saúde Bucal, à criação do prontuário eletrônico do cidadão e à melhoria do acesso e da qualidade da Atenção Primária à Saúde. Fundou a UniverSaúde em 2017, uma startup de saúde e educação que auxilia gestores a terem mais eficiência nos projetos associando informação e inteligência com tecnologias digitais onde atualmente é o CEO.
Sugestão de leitura:
Desafios para Inovação na Gestão Municipal – Plano CDE e Instituto Arapyaú