Por Caroline Gibim e Anna de Souza Aranha
Ao longo dos últimos dois séculos, as condições de vida melhoraram significativamente com o surgimento de tecnologias como a eletricidade, o telefone e a internet. Agora estamos testemunhando o surgimento de uma nova onda poderosa de tecnologias disruptivas: as deeptechs. Se isso soa ambicioso, é porque realmente é.
Para quem ainda não está familiarizado, as deeptechs são empreendimentos que vão além das soluções convencionais: mergulham fundo em descobertas científicas e tecnologias de ponta, como IA (inteligência artificial), energia solar, biotecnologia e manufatura avançada. Essa nova natureza de negócios tem o potencial de abrir novos caminhos para o crescimento econômico, equidade social e sustentabilidade ambiental.
Os números mostram que estamos no caminho certo. O Brasil se destaca na América Latina com 70% dos pesquisadores, 47% das contribuições em publicações científicas e 58% das patentes registradas. Hoje, estima-se existirem 875 deeptechs mapeadas no país, com uma grande concentração nos setores de biotecnologia, saúde, agro, inteligência artificial e energia limpa.
Mas ainda há bastante a ser feito, em especial focando no recorte da crise climática. Dois planetas Terra seriam necessários para sustentar o modo de vida da humanidade até 2030 e estudos indicam que as mudanças climáticas podem reduzir o PIB global em 11% a 14% até 2100, o que corresponde a US$ 23 trilhões por ano, caso não sejam tomadas ações significativas para mitigação. As soluções já conhecidas não são suficientes para endereçar o desenvolvimento sustentável e econômico necessário, o investimento em inovação radical das deeptechs é essencial para que as empresas se mantenham produtivas e obtenham as soluções necessárias para atingirem suas metas net zero.
O potencial da agenda é acompanhado pelos diversos desafios que ainda temos nela.
A maior parte das deeptechs ainda vive o desafio de cruzarem o ambiente dos laboratórios e terem adesão de fato do mercado, se tornando negócios. Grande parte delas está na fase de prova de conceito, ou seja, em estágio inicial, de comprovar que suas tecnologias realmente funcionam. Apenas 30% conseguiram chegar em uma fase de comercialização e escalabilidade.
Quando o assunto é investimento, 70% do financiamento para deeptechs no Brasil vêm de programas públicos e investidores anjo e 28% delas recebeu apoio do programa PIPE FAPESP. Para crescerem, essas deeptechs precisam atrair capital privado também, a fim de sustentar equipes experts, infraestrutura, adequação a regulamentações, validação de produto, rodagem em escala industrial e ainda se blindar contra a competição global acirrada – de EUA e Europa – que estão um passo à frente com apoio ao longo ciclo de desenvolvimento tecnológico e capital de risco paciente já consolidados.
Para esse novo momento de mercado, há um grande potencial de integração entre os ecossistemas de inovação/ciência e tecnologia e o ecossistema de impacto, coordenando esforços e melhorando a jornada dos inventores e empreendedores. Um traz um vasto campo de relacionamento entre academia, parques tecnológicos, IC&Ts e recursos de governo para fomento à ciência e tecnologia. O outro traz um vasto campo de aceleradoras, incubadoras, filantropos, investidores de VCs, CVCs e outros dinamizadores voltados ao ganho de escala e crescimento de empreendimentos que ajudam a solucionar desafios socioambientais.
Chegou a hora de implementarmos abordagens sistêmicas para responder aos desafios que desejamos resolver. Cada ator desempenhando seu melhor papel, de forma articulada e coesa com os demais, colocando o desafio a ser superado no centro. É também momento de usarmos de forma mais adequada cada bolso – o comercial que terá retorno financeiro (via equity ou crédito) e o de fomento, paciente e catalítico, que viabilizará a existência do mercado – combinados em arranjos personalizados para tipos e estágios diferentes dos negócios, bem para as diferentes finalidades do efeito que se deseja gerar.
As deeptechs apresentam características importantes a serem consideradas, como:
- Longo ciclo de validação: demandam potencialmente longo tempo de convencimento do mercado para adoção de tecnologias de ponta, adequação ao ambiente regulatório, pesquisa intensiva, testes rigorosos e ciclos de desenvolvimento prolongados.
- Validação e provas de conceito diferenciados: além da necessidade de validar mercado potencial e capacidade de crescimento em termos financeiros, deeptechs tipicamente precisam passar por testes de validação clínicos e laboratoriais, apresentando uma maior quantidade de momentos de validação, bem como determinação de mais métricas confiáveis de validação de resultado, e, assim, costumam ser avaliadas por representarem mais risco (um jogo de alto risco, bem como potencial alto retorno).
- Necessidade de especialização e talento técnico: requerem equipes altamente qualificadas e com expertise técnica específica.
- Escala para produção e comercialização: diversas soluções demandam infraestrutura específica para produção em larga escala (como biorreatores, por exemplo), podendo requerer parcerias com grandes empresas ou governos.
- Alto custo para seu desenvolvimento: precisam de potencial alto investimento inicial para que as soluções cheguem ao mercado, diferenciando das startups típicas digitais e com ciclos de retorno mais rápidos priorizadas pelos investidores de venture capital.
No Quintessa, já impulsionamos o crescimento de diversas deeptechs, mencionando aqui algumas delas. A Cromai, apoiamos no início da sua jornada junto ao Caos Focado. A startup desenvolveu uma tecnologia que otimiza processos de manejo agrícola e operações de controle de qualidade industrial através da análise de imagens e dados. Atualmente eles possuem 75 milhões de imagens diagnosticadas e 800 mil amostras de impurezas vegetais analisadas.
Outro case é a Inspectral, que apoiamos junto ao Fundo Vale e à Ambev. Eles desenvolveram uma inteligência geoespacial com a precisão da IA, gerando análises de dados de forma mais rápida e barata. Na implementação que acompanhamos, foi feito o mapeamento de 6 bacias hidrográficas em diferentes regiões do Brasil e com alto estresse hídrico, gerando dados de indicadores como sólidos em suspensão e transparência da água – dando insumo para eventuais intervenções e substituindo a tecnologia de drones para geoespacial. A Inspectral diminuiu em aproximadamente 19 vezes o custo em relação à tecnologia anterior utilizada.
Por último, a Quanticum, que apoiamos junto ao Fundo Vale e à Irani. A solução mapeia o potencial agronômico e ambiental do terreno com base em nanopartículas naturais da terra, atendendo pequenos produtores, grandes indústrias e produtores, associações e governos que querem entender melhor as características do solo. Com isso, realizaram o mapeamento por sensoriamento remoto de 14 mil hectares de floresta nativa da Irani e realizaram a análise de solo laboratorial de 700 hectares para determinar o estoque atual de carbono no solo da região.
Precisamos de soluções escaláveis para os grandes desafios que enfrentamos e para que a inovação no Brasil seja cada vez mais uma referência global, principalmente do que tange a questão climática. O ecossistema do futuro é aqui.
As deeptechs são chave para o futuro e o Quintessa acredita em uma abordagem integrada para destravar o potencial destes negócios no Brasil, unindo empreendedores, cientistas, capital de fomento, capital privado e as indústrias.
Fontes de alguns dados mencionados: BID: The new wave; STARTUPS.COM: Startups; GOV: Serviços e Informações do Brasil; EMERGE: Mapeamento Brasil.