Entre os dias 16 a 20 de janeiro aconteceu mais uma edição do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Após dois anos de interrupção pela pandemia, o evento, que reúne líderes políticos, empresariais e da sociedade civil, voltou à agenda mundial.
O tema escolhido para 2023 foi a “Cooperação em um Mundo Fragmentado”, com o objetivo de buscar soluções e parcerias público-privadas para os desafios mais urgentes de um mundo globalizado que enfrenta uma guerra, polarizações políticas, ameaças à democracia, consequências econômicas da Covid-19 e emergência climática.
Os principais temas abordados foram a preocupação com uma recessão global, a guerra da Ucrânia – principalmente sobre seus impactos na crise energética e a inflação. Dentre os temas dos painéis, vimos a pauta da atração/retenção de talentos e o significado do trabalho em meio a uma onda de layoffs (demissões em massa, em português) e do crescimento do “quiet quitting“. Conversas sobre desinformação e democracia, a situação das mulheres no Irã, poluição plástica, descarbonização e greenwashing, entre muitos outros que estão disponíveis para assistir online.
Houve também muito interesse pelo Brasil e o retorno do nosso país ao protagonismo da agenda ambiental. Reunimos aqui os principais destaques de Davos no que diz respeito ao país e à pauta socioambiental.
- Uma recessão mundial é esperada: como fica o ESG?
Dois terços das lideranças entrevistadas pelo Fórum Econômico Mundial (63%) esperam uma recessão global em 2023 – destes 18% consideram extremamente provável que ela aconteça. Segundo o WEF (sigla para World Economic Forum, em inglês), este número cresceu significativamente desde a última pesquisa, feita em setembro de 2022. Os impactos da guerra na Ucrânia na economia ainda representam um risco, principalmente na Europa. Apesar disso, a percepção sobre o painel final foi de otimismo sobre uma retomada econômica.
E como garantir que o ESG não é deixado de lado em tempos difíceis? Essa pergunta tem aparecido bastante e, em um dos painéis em que foi feita, foi respondida de forma que concordamos bastante aqui no Quintessa: essa questão não é um conflito e não deve ser vista como um trade-off. Já foi comprovado que companhias com propósito têm melhor retorno, e gerar impacto não significa sacrificar lucro. Os problemas continuam e vão precisar de esforços para serem endereçados, portanto, principalmente para aquelas empresas que têm o impacto intrínseco na estratégia e enxergam a oportunidade de negócio, os tempos difíceis estimulam a criatividade, as parcerias e a inovação.
- O papel das empresas em um mundo fragmentado
Em 2023, ao menos 630 CEOs estiveram em Davos – ou, uma em cada quatro pessoas no Fórum, um ambiente extremamente importante para ser debatida a pauta ESG e o papel das empresas na transformação socioambiental. Neste assunto, destacamos o painel “Profit and Purpose“, que assistimos de forma online e contou com a participação da LEGO, Deloitte, GHR Foundation e Henry Schein, sobre o S do ESG.
Um assunto unânime foi o já mencionado acima, que não deve existir trade-off entre lucro e impacto. “Este virou um tema polarizado, como se cuidar dos stakeholders ou dos shareholders fossem dilemas opostos, mas a verdade é que no longo prazo, fazer investimentos em ESG é um caminho para dar retorno aos acionistas”, comentou o CEO da Deloitte. “Os investidores querem retorno e os consumidores querem empresas que atendam suas necessidades e que sejam honestas, e a melhor forma de provar sua honestidade é fazer bem para a sociedade”, finalizou o CEO da Henry Schein.
Foi discutido também sobre a representatividade da liderança e o dilema entre se posicionar ou não em temas importantes, que é o que mais tem tomado tempo de CEOs, segundo um dos painelistas. Em uma “guerra de talentos”, as pessoas querem trabalhar em lugares alinhados aos seus valores, e o que a liderança representa tem muito peso. Ainda, acredita-se que em um mundo fragmentado, as empresas têm o papel de serem pontes, e precisam fazer parte das conversas. Porém, isso não significa que devemos esperar que as empresas se tornem árbitros de tudo o que acontece.
Existe um receio por parte das empresas, pois as temáticas importantes têm sido colocadas de um lado ou de outro do espectro político. O debate foi bem rico, no entanto, a conclusão foi que as empresas e a liderança devem sempre explicitar seus valores, pois muitas questões são éticas e baseadas em valores, e não em política, como crimes de ódio, racismo, entre outros, e não podemos nos calar diante deles.
Inovação aberta em foco: em outro painel, foi lançado o Catalyst 2030 Business Commitment, um selo que vai reconhecer as grandes empresas que trabalham em parceria com negócios de impacto social.
- O interesse pelo Brasil: democracia, economia e meio ambiente
O Brasil não só esteve presente como despertou grande interesse do mundo todo em Davos. O governo federal foi representado pela ministra Marina Silva e o ministro Fernando Haddad, passando o recado de que economia e sustentabilidade devem andar juntas no novo governo.
Em um evento com o tema fragmentação, o interesse global estava muito voltado aos ataques à democracia do dia 8 de janeiro, e o Brasil buscou passar o recado de que a democracia está sólida. Para Marina Silva, “a estabilidade democrática passa pela capacidade de darmos respostas para os graves problemas sociais, ambientais e econômicos e para novas perspectivas para o Brasil”.
Haddad mencionou também que é preciso engajar CEOs em uma agenda civilizatória, e que está disposto a convencer as corporações a assumir determinados compromissos sociais e ambientais públicos e com consequências práticas. “Como consumidores, temos capacidade de pressionar. “Como podemos compactuar com empresas que não se manifestam claramente a favor da democracia?”, pontuou ao ser questionado sobre o tema.
Em um tom propositivo, a participação dos dois líderes conseguiu criar grande expectativa mundial sobre o retorno do protagonismo brasileiro no cenário internacional, sobretudo na questão ambiental.
- Dados para o investimento na Amazônia
A Amazônia foi tema exclusivo de um dos painéis, com a participação do pesquisador Carlos Nobre, do governador do Pará, Helder Barbalho, e representantes de outros países que abrigam o território amazônico falaram sobre a economia da floresta em pé.
O Instituto Igarapé lançou em Davos o painel de dados Amazônia in Loco, que, segundo a presidente Ilona Szabó, tem como objetivo “preencher lacunas críticas de informações em nível local e acelerar o investimento responsável na região”. Ele fornece uma compreensão aprofundada da dinâmica ambiental, social, econômica e demográfica nos 772 municípios que compõem a Amazônia Legal Brasileira, apresentando mapas e gráficos interativos que abordam temas como áreas protegidas, hotspots de biodiversidade, produtividade econômica, desafios socioambientais e tecnologias sustentáveis recomendadas.
O painel busca consolidar o controle territorial em áreas com foco de crimes ambientais, fazendo com que o setor privado possa abordar os riscos relacionados à temática ESG e aprofundar sua compreensão e envolvimento com as comunidades locais na Amazônia.
- Filantropia pelo clima
Amy Goldman, CEO da GHR Foundation, falou em um dos painéis que o capital filantrópico pode ser aplicado de forma criativa, pode ter risco, visão de longo prazo, ser visionário e inovador, assunto que temos trabalhado ativamente aqui no Quintessa.
No geral, o foco dado durante o Fórum foi sobre como a filantropia pode acelerar e escalar a ação climática, especialmente em parcerias com o setor público e o privado. O Fórum Econômico Mundial lançou uma iniciativa global de doação chamada GAEA (Giving to Amplify Earth Action) que busca mobilizar parcerias públicas, privadas e filantrópicas (PPPPs) para ajudar a liberar os US$ 3 trilhões necessários para financiar soluções climáticas por ano.
O empreendedor da rede Quintessa, Rodrigo Pipponzi, a frente da Editora MOL, esteve presente em Davos e pontuou em seu LinkedIn sobre este tema: “assisti a um painel sobre a evolução da filantropia da Ásia – saí muito impressionado com a forma como o continente encara o tema, estimulando que a filantropia sempre caminhe de mãos dadas com governo e empresas e que sempre tenha suas estratégias desenhadas para escala, independentemente do tamanho que comecem (como referência, vale conhecer a Rohini Nilekani Philanthropies, que me encheu de inspiração e bons insights)”.
- Empreendedorismo brasileiro presente na Suíça
Todos os anos, a Schwab Foundation premia empreendedores sociais com soluções inovadoras, e este ano um dos 16 vencedores foi o empreendedor Tasso Azevedo, da MapBiomas, que como o nome sugere, se dedica a mapear a cobertura e o uso do solo dos biomas brasileiros, para apoiar e desenvolver a gestão sustentável e a conservação dos recursos naturais.
Empreendedores da rede Quintessa também estiveram presentes, como o Guilherme Brammer da Boomera, Rodrigo Pipponzi da Editora Mol, Rodrigo Oliveira da Green Mining e o time da Digital Innovation One.
O Fórum Econômico Mundial em Davos tem menos participação da sociedade civil e do sul global que outros eventos internacionais, como a COP, por exemplo, e com isso, se mostra um evento menos diverso. Não dá para negar sua importância na troca entre lideranças dos setores público e privado e influência nos assuntos da economia global, portanto é válido reconhecer positivamente os esforços para que os assuntos de ESG e meio ambiente estejam em grande parte das sessões. Por outro lado, há uma cobrança muito grande para essa “elite econômica” que participa da conferência sobre suas reais intenções e práticas ao fim da semana de eventos.
O secretário geral da ONU, António Guterres, e a ativista Greta Thunberg deixaram seus posicionamentos. Guterres falou sobre greenwashing e cobrou a todos os líderes corporativos que apresentem “planos de transição para o net zero confiáveis e transparentes” antes do final de 2023. Já Greta, afirma que o Fórum falha em não dar lugar para as pessoas afetadas pela crise climática nos debates e reúne pessoas que não colocam essa emergência como prioridade.
O site do Fórum Econômico Mundial disponibiliza todas as sessões gravadas (muitas com tradução para Português) e resumos em texto – em inglês.