A relação entre o(a) empreendedor(a) e seu(sua) investidor(a) ou fundo é uma relação de sociedade e comprometimento de longo prazo. Por isso, o processo de escolha de quem será este parceiro deve receber o devido cuidado.
Da mesma forma que o fundo faz seu processo de seleção, de diligência, pede materiais, estuda o negócio e o mercado, o(a) empreendedor(a) deve fazer a sua parte na escolha cuidadosa do seu potencial investidor.
Depois de detalhar os tipos de capital e modalidades de investimento disponíveis no mercado, trazemos experiências e dicas desse processo de escolha, na visão dos dois lados: o(a) empreendedor(a) e o(a) investidor(a) ou fundo.
Defina os critérios e faça uma boa pesquisa
Podemos dizer que o processo de captação se assemelha a um processo de vendas, no sentido de que você vai abordar muitas pessoas e executar muitas atividades, dentre reuniões, follow ups, envio de materiais… Então é preciso gerenciar tudo de forma organizada, com CRM, organização de pipeline e um bom estudo dos potenciais investidores.
O primeiro passo é definir as premissas sobre o seu negócio e a rodada de captação, para garantir fit com o que os investidores podem/querem investir. Por exemplo:
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- tese de investimento (em quais tipos de negócio investe ou não, seja pelo estágio de maturidade, setor de atuação, perfil dos empreendedores, localização da sede ou outras características)
- ticket de investimento (quanto investe em cada negócio)
Depois vale definir quais são os critérios importantes para você na escolha do fundo. Por exemplo:
- experiência no setor de atuação
- conhecimento técnico ou de negócios que pode te agregar
- quantas pessoas e quem são as pessoas que compõem o time
- tamanho do fundo (no viés do potencial para participar em novas rodadas de captação que você faça)
- portfólio (quais outros negócios já investiu e como foi a performance deles – e a relação com eles)
- localização (onde está situada sua sede e se isso pode interferir na proximidade da relação entre vocês)
Com esses critérios definidos, estude sobre os fundos e investidores que você pretende conversar. O material já reunido no GUIA 2.5 pode te ajudar nisso. Assim você terá clareza de quem são os atores que você deseja se relacionar e quais você já pode descartar por não ter fit com o que está buscando. Entenda, registre e conheça as características de cada um deles antes de abordá-los. Isso vai também te dar mais eficiência no processo, sem desperdiçar seu escasso tempo: por exemplo, se um fundo apenas investe em negócios com modelo B2C e o seu modelo é B2B, não vale priorizar esta conversa frente a outras com maior fit.
Além de conhecer o fundo, conheça também o processo de captação como um todo e as regras do jogo. Este texto inicial, e este sobre tipos de capital podem te ajudar.
Smart money: entenda o que o(a) investidor(a) pode agregar
Já é esperado que os investidores agreguem valor além de somente dinheiro. Assim, é preciso ir além. É importante considerar o que esse smart money significa para cada um dos investidores, para entender como – e até onde – eles poderão apoiar o seu negócio. Algumas das formas de suporte dos investidores podem ser:
- participação em decisões estratégicas, com conhecimento técnico sobre produto, setor de atuação ou gestão de negócios
- networking / abertura de novas redes de relacionamento
- conexões com potenciais clientes
- conexões para contratações chave
- estruturação da gestão
- estruturação da governança
- mensuração de impacto
- gestão do ciclo de vida da estrutura de capital: planejamento de novas rodadas e atração de mais capital
Neste momento vale entender também o que você precisa para o atual estágio do negócio. Dependendo dos desafios que você está vivendo, pode ser um fundo voltado para tecnologia, estruturação do negócio, ganho de escala, internacionalização, etc.
Além desses aspectos técnicos que estamos citando, é muito importante considerar também outros aspectos mais subjetivos e relacionais. O contato e a relação construída entre vocês entra como fator de peso na decisão. É necessário ter alinhamento de valores, de visão de futuro do negócio, de visão sobre o time, do que é prioridade e de como deve ser a cultura do negócio, além de uma relação de confiança para tomarem decisões em conjunto.
O mesmo acontece para os investidores. Tanto quanto o produto e o mercado em que estão investindo, a figura do(a) empreendedor(a) é um forte indicativo sobre quanto o negócio pode dar certo e faz muita diferença no momento de apostar as fichas.
Costumamos brincar que a relação investidores-empreendedores é como um casamento, tem que haver uma química entre os dois lados, construindo uma relação de confiança, de parceria e transparência – com desejo de estarem juntos a médio-longo prazo e passarem juntos pelos desafios do dia a dia.
Para empreendedores de impacto em especial, um fator que ganha relevância na escolha do fundo ou investidor(a) é o alinhamento em relação ao propósito da empresa. Um negócio de impacto pode ser investido por fundos de impacto ou não, mas é importante estarem focados no mesmo propósito e garantirem que o olhar para resultado estará sempre alinhado ao olhar para geração de impacto positivo.
Converse com outros empreendedores
Uma lição de casa que todo(a) empreendedor(a) deve fazer no processo de escolha é conversar com empreendedores que já foram investidos por esse investidor ou fundo.
Por mais que você estude os critérios, é a experiência real de outras pessoas que irá dizer como funciona na prática. Se de fato agregam o valor prometido, como lideram em situações desafiadoras, se ajudam ou não nas outras rodadas de captação, como se comportam no momento de cobrar resultados, entre outros tipos de depoimento.
Aqui no Quintessa, durante o processo seletivo para a aceleração, é natural passarmos o contato de empreendedores que já foram acelerados, para que o(a) empreendedor(a) possa ouvir sobre a nossa atuação diretamente de quem já viveu na prática. É unânime o feedback que todos nos dão sobre a importância que essa conversa teve no momento de escolher nossa aceleração frente a outros programas. Você bem sabe que a opinião de outro(a) empreendedor(a), que conhece suas dores e já passou por desafios similares, tem muito valor.
Cuide da abordagem e do relacionamento
Uma parte importante durante o processo é usar o seu networking, a sua rede de relacionamento, para identificar alguém que possa te introduzir e conectar com o potencial investidor, evitando uma abordagem “fria”. Investidores recebem propostas, materiais e pedidos de reunião todos os dias, e por isso, ser apresentado por alguém de confiança é uma excelente porta de entrada.
Depois que conhecer as pessoas, não faça um encontro único. É uma ótima prática ir se relacionando com a pessoa ao longo do tempo, antes de pedir dinheiro de fato. Envie atualizações periódicas (mensais, trimestrais, semestrais) para que a pessoa possa ir acompanhando sua trajetória e evolução.
Alguns investidores também gostam de ajudar e aconselhar os empreendedores, disponibilizando sua agenda para interações desse tipo – e não apenas para conversar com você na hora em que precisar investir – como uma forma de aprender sobre como você lidou com os desafios que compartilhou e o quão coachable você é.
Além disso, você deve se lembrar de, ao final do processo, compartilhar a notícia do fechamento com todos os potenciais investidores com quem você conversou, agradecendo o tempo dedicado. Muitos que não entraram em uma rodada podem ter interesse em investir no seu negócio no futuro e por isso você deve buscar manter os relacionamentos a longo prazo.
E como os investidores escolhem?
O critério central é o perfil do(a) empreendedor(a)
É consenso entre a maioria dos fundos e investidores que a parte mais importante na escolha do investimento é o(a) empreendedor(a) e seu time.
A lista de características buscadas em um perfil varia de acordo com cada investidor, mas alguns elementos que vemos levarem em consideração é:
- Fibra ética
- Abertura para rever premissas (ser coachable)
- Capacidade de realização, seja pela sua formação, experiência empreendedora, experiência no setor de atuação ou histórico da empresa
- Capacidade de mobilizar e engajar pessoas e recursos
- Resiliência e persistência frente a adversidades
- Comprometimento e dedicação ao negócio
- Ambição e desejo de crescer
- Brilho nos olhos, conexão e paixão pela causa e comprometimento genuíno com o impacto (especialmente quando falamos de investimento de impacto)
- Complementaridade da liderança, garantindo que possuam as competências necessárias para o desenvolvimento do negócio (muitos investidores preferem investir em negócios que tenham no mínimo duas figuras de founders ou liderança, e não em empreendedores “solo”, pois é difícil encontrar empreendedores que reúnam as habilidades distintas de produto, vendas, coordenação da operação, capacidade de realizar análises financeiras, etc.).
Conheça o seu negócio hoje e demonstre coerência sobre onde quer chegar
Por mais que o investimento seja feito hoje, o(a) investidor(a) está apostando em uma valorização futura do seu negócio. Ou seja, não basta você saber e conhecer muito bem sobre sua operação atual, você também tem que saber muito bem onde você quer chegar e quais principais milestones que te farão chegar lá.
Os investidores querem entender o grau de maturidade na visão dos empreendedores sobre o que estão buscando.
Essa visão clara de futuro e, principalmente, da melhor alocação dos recursos para fazer com que você chegue lá, é super importante.
Nesse momento, é imprescindível mostrar foco. Tudo bem ter mais de um caminho ou hipótese para impulsionar o crescimento do negócio, mas estes precisam estar bem embasados e atrelados à tese da rodada (este texto fala sobre isso). O planejamento deve ser coerente sobre como o negócio vai crescer, como usará o dinheiro, a relação entre o ritmo de crescimento dos custos e da receita. É também interessante criar cenários, do cenário ideal ao conservador, otimista e pessimista.
Além de saber sobre o seu próprio negócio, demonstre o nível de conhecimento que você tem sobre o mercado no qual ele está inserido. Os investidores valorizam o domínio do assunto, a capacidade dos empreendedores de se apropriarem do mercado e conhecerem com profundidade o seu público.
Um mentor do Quintessa, que é também investidor, nos traz uma visão bem relevante quando falamos de business plan: o foco não é o resultado em si, o número final que a projeção financeira está indicando, mas como você planeja chegar lá.
A probabilidade de um business plan ser executado exatamente como o previsto é pequena, mas é essencial que ele faça sentido e seja coerente. Por isso é importante ter lógica, mais do que valores altos.
Outros critérios de seleção
Além dos elementos citados acima, há uma extensa lista de aspectos considerados pelos investidores, como:
- Potencial e relevância do impacto gerado, composição do time
- Potencial de escala/ replicabilidade/ crescimento do modelo de negócio
- Tamanho do mercado no qual está inserido
- Grau de inovação e diferenciação perante concorrentes
- Histórico de performance financeira
- Distribuição da participação acionária entre os sócios
- Grau de maturidade em termos de gestão e governança
A imagem abaixo, retirada do Scoring de Investimento de Impacto da Pipe Social, revela os elementos identificados no estudo:
Planeje-se e aprenda com as negativas
Os materiais básicos para uma captação são uma planilha com projeções financeiras (que revelem o plano de negócios/business plan, o valor a ser captado e o valuation da empresa), e um pitch deck.
A lista inicial de critérios também te ajuda a entender qual tipo de informação priorizar, incluir ou excluir na apresentação para cada um dos investidores. Os fundos de impacto, por exemplo, farão questão de entender como a sua solução resolve um problema social ou ambiental relevante e com quais métricas o impacto é ou será mensurado. Mas para outros fundos, pode ser mais interessante a demonstração da tecnologia em si, ou das projeções de escala.
O que queremos destacar aqui é a importância de se planejar, refinar e aprender com as reuniões feitas.
Uma dica é começar as apresentações com os fundos que têm menos preferência na sua wishlist (aquela lista de potenciais investidores que você fez depois de avaliar os critérios no início do texto). Assim você consegue testar o seu pitch, ouvir feedbacks e planejar melhores respostas para as perguntas que começarão a surgir.
Aprenda, teste, refaça, refine: o pitch deck é sempre um trabalho em construção.
Porém, cuidado na hora das adaptações. Já vivenciamos casos em que o empreendedor ouviu de um fundo “só vou investir se o plano incluir a internacionalização, para explorarmos outros mercados” e um outro fundo disse, na mesma semana, “só vou investir se o plano for focado na expansão no Brasil, pois não acredito que internacionalizar seja um bom caminho”.
E aí, o que fazer? Voltar para o que você acredita que seja o melhor caminho. Há um ótimo equilíbrio em o que você deve adaptar ou não no seu plano a partir das sugestões dos potenciais investidores – e somente na hora você vai saber o que absorver ou não.
Outro elemento a se considerar é que a maioria dos gestores de fundos de investimento conversam entre si e trocam percepções com grande frequência, já que é comum que co-invistam nos negócios. Considere isso no momento de planejar a ordem das suas conversas, no sentido de quem você quer que ouça seu pitch “em primeira mão” e quem talvez já tenha ouvido de outros sobre você.
Dicas gerais
- Conte com o suporte de mentores, especialistas e pessoas que já passaram por esse processo de captação, elas poderão te ajudar nos dilemas que certamente serão vivenciados.
- Conte com um escritório de advocacia, priorizando aqueles que têm experiência em Venture Capital, para que tragam bom senso na negociação. Ainda assim, estude todos os termos e revise diversas vezes o contrato, pois por mais que tenha ajuda externa, só você saberá o que está ou não disposto(a) a exigir e oferecer.
- A captação pode levar muito tempo. Não só durante o processo de conseguir um investidor, mas durante os acordos, contratos e até o dinheiro de fato cair na conta. Não subestime o tempo de captação e esteja preparado para ter um plano B, C… Conte com a entrada do dinheiro apenas dali a 6 meses a um ano desde o dia em que decidir captar.
- Pode parecer clichê, mas saber levar um ‘não’ é um ponto chave no processo de captação. Aprenda com tudo o que ouvir.
- Seja data-driven, apresentando dados e resultados de testes, curva de crescimento, funil de vendas, base de clientes… Mostre que seu planejamento é fundamentado e não apenas baseado nas suas opiniões.
- Por mais que o processo demande muito tempo e energia, não tire o olho da operação. Manter a empresa saudável deve ser mais importante que a captação.
À medida que o negócio vai amadurecendo, você vai tendo mais clareza do caminho de crescimento que deseja e de como escolher o(a) investidor(a) de uma rodada futura. Projeções financeiras, um bom pitch, mercado em crescimento… Tudo isso conta. Mas tenha sempre em mente que os investidores investem essencialmente nas pessoas, ou seja, você e seu time!
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