No dia-a-dia do Quintessa trabalhamos com empreendedores de diferentes perfis. Vemos empreendedores com experiência em gestão, negócios, lideranças de times. Vemos empreendedores que são especialistas no contexto socioambiental do problema que se propõem a resolver (saúde, educação, etc.). Vemos também empreendedores especialistas nos aspectos técnicos que pretendem desenvolver (pedagogos, médicos, desenvolvedores, etc.).
Embora os perfis sejam importantes e complementares, para desenvolver um negócio o primordial é se tornar um especialista sobre a realidade do cliente. O trabalho principal no início da jornada é ser identificar quais problemas/dores/necessidades seu potencial cliente possui e quais você vai atender.
Um dos mais recorrentes erros que vemos empreendedores em estágio de validação fazerem é dizerem que os seus clientes são “os homens que moram em tal cidade”, “professoras” ou “hospitais” ou ainda “a sociedade”. Hoje temos uma quantidade enorme de dados disponíveis, que geram informações demográficas e psicográficas para entender o seu público, mas elas não bastam para identificar o principal elemento que vai definir o seu segmento de mercado: “qual necessidade do cliente você está ajudando a resolver”.
Por exemplo: é muito diferente dizer que o seu público é composto por “mulheres, que moram em São Paulo, classe média, que têm entre 25 e 35 anos” ou dizer que é composto por “mulheres jovens que estudam, moram longe e precisam de uma forma para chegarem mais rápido no trabalho, com disponibilidade de investir x reais/mês em algo que solucione esta necessidade”.
“Jobs to Be Done” é uma metodologia que sugere uma abordagem para trazer clareza de qual necessidade o seu negócio se propõe a atender. Partimos do princípio de que as pessoas pagam por produtos e serviços para realizar tarefas, trabalhos e problemas que precisam ou se interessam em resolver. O que determina a compra não são as características da pessoa, mas sim se ela consegue ter o seu problema relevante resolvido.
Embora pareça simples, essa visão reforça a importância de entender as motivações dos seus clientes, indo muito além das características pessoais. Além disso, você evita construir produtos que sejam apenas “legais” de se ter, mas sim aqueles que são realmente relevantes para as pessoas.
A necessidade do cliente é que determina o produto: as pessoas querem um furo na parede, não necessariamente querem uma furadeira. Por isso, antes de investir em construir uma potencial nova solução, o melhor a se fazer é compreender a fundo quais dificuldades as pessoas possuem quando precisam furar e se há demanda para se proporcionar uma melhor solução para elas.
Algumas perguntas podem te guiar nessa descoberta:
- Qual o tamanho dessa necessidade? Ela é relevante para o seu potencial cliente?
- Com qual frequência ele sente essa necessidade?
- É uma necessidade recorrente/constante ou é pontual?
- O cliente tem percepção sobre essa necessidade?
- É uma necessidade implícita ou explícita?
- Como ele já resolve essa dor hoje?
- Por quê as soluções que já existem não atendem essa necessidade da melhor forma?
- O seu potencial cliente precisa/deseja/está aberto a uma nova e melhor solução?
Lembre-se que quem deve responder a essas perguntas são os seus potenciais clientes – e não o que você supõe que eles pensem a respeito delas. Aos poucos você vai percebendo como este processo muda a sua visão sobre o produto e o negócio, chegando a conclusões difíceis de serem imaginadas sem esse contato com o cliente.
Prepare-se para gastar muita sola de sapato!
No nosso programa de validação, apoiamos os empreendedores que têm uma hipótese de modelo de negócio ainda não validada e trabalhamos para buscar evidências e validá-la junto ao mercado. No entanto, nos deparamos com muitos negócios que ainda nos trazem muitas hipóteses em aberto.
Na maioria destes casos, ao conversar um pouco mais, percebemos que (às vezes com o produto já pronto) os empreendedores ainda não foram para a rua conversar, interagir e conhecer seus potenciais clientes, e por isso chegaram a uma solução que não atende suas necessidades reais. Quando isso acontece, muitas vezes provocamos que eles ainda gastem um pouco mais a sola do sapato sozinhos antes de entrarem no nosso programa.
Brincadeiras à parte, isso significa sair do escritório e fazer uma escuta de mercado ativa e ampla para entender quem são estas pessoas e como elas se relacionam com o problema. Pode significar marcar entrevistas, fazer pesquisas online, participar de eventos, promover rodas de conversa, ler conteúdos sobre este público e mercado, conversar com pessoas que trabalham na área, pedir para acompanhar o dia a dia de um potencial cliente, passar pela experiência de comprar a solução de um provável concorrente ou substituto, entre outras ações.
Neste processo, você ganhará mais certeza sobre suas hipóteses, ou poderá descobrir que o que antes parecia ser uma grande oportunidade, na verdade é um mercado inexistente, ou mesmo, ao interagir com seus potenciais clientes, terá reflexões se quer mesmo dedicar os próximos anos da sua vida para trabalhar para estas pessoas e para solucionar esta sua dor.
Reunimos algumas dicas e metodologias para te ajudar a fazer isso.
Quais os objetivos dessa escuta?
- Entender o contexto no qual a pessoa vive o problema (a partir da perspectiva dela)
- Entender, de todos os problemas que vivencia, qual considera mais relevante
- Compreender o que a pessoa tem feito para resolver seu problema e porquê
- Entender, para cada entrevistado, o que existe de positivo e negativo com cada solução que utiliza
- Identificar qual segmento de cliente (grupo de pessoas que se comporta de maneira similar) está mais insatisfeito ou buscando outra forma de resolver este problema
- Atenção: o foco ainda não é validar a sua ideia de solução, mas apenas conhecer e aprender sobre seu público.
Como organizar este processo de escuta?
A Matriz CSD (Certezas, Suposições e Dúvidas) serve para abrir horizontes e priorizar dúvidas e pode te ajudar a organizar as informações que tenha escutado durante a interação com o mercado.
Vamos retomar o exemplo citado acima, e entender o problema das “mulheres jovens que estudam, moram longe e precisam de uma forma para chegarem mais rápido no trabalho, com disponibilidade de investir x reais/mês em algo que solucione esta necessidade”.
Para cada elemento de “dúvida” e “suposição”, você deve investigar como pode buscar evidências (dados, fatos, informações, comprovações) de que sejam verdadeiras – e migrá-lo para a coluna das “certezas”.
Por exemplo, neste caso, para tirar a dúvida se uma potencial cliente já tentou ir de bicicleta ou se utiliza o Uber e 99, podemos seguir mais ou menos este roteiro:
Hoje como você vai para o trabalho? Quanto tempo demora? Pega trânsito? O que faz enquanto está no trânsito? Já tentou ir em outro horário/outra forma? Por que não deu certo? Qual situação seria ideal para você ir ao trabalho/sair a noite/ viajar? Quais meios de transporte já tentou usar para ir trabalhar?
Do que está me contando, entendi que os problemas principais relacionados para você são:
– Indo de bicicleta chega muito suado(a)
– Ônibus é muito lotado
– Se usar carro, tem alto gasto com estacionamento e combustível. É isto mesmo?
– Se tivesse onde parar o carro gratuitamente, iria de carro?
– Dado os problemas que trouxe, por que prefere usar o ônibus?
Um painel de resultados pode te ajudar a visualizar as respostas:
E uma forma de compilar todas estas descobertas de forma simples pode ser resumir neste modelo de frase:
Algumas dicas complementares sobre este processo são:
– Pode ser interessante ir na linha da “venda investigativa”, ou seja, ao invés de puramente agendar uma entrevista, você agenda uma reunião de venda e conduz ela desta forma, porém, não tendo como foco apenas o fechamento de um novo contrato, mas sim tendo como foco investigar e conhecer mais sobre seu potencial cliente;
– Para conseguir realizar as entrevistas, você pode propor pesquisas online, enviar mensagens para as pessoas no LinkedIn pedindo uma conversa, abordar as pessoas no seu dia a dia (como na saída do metrô), pedir que uma pessoa conhecida em comum te apresente – o melhor caminho vai depender de quem é o seu público e também do que é viável realizar na prática;
– Pense sobre qual será a ordem de abordagem de seus potenciais clientes: se a “Empresa X” é seu grande objetivo, pode ser estratégico iniciar as conversas por ela, por representar exatamente seu segmento foco, bem como pode ser muito estratégico deixar ela por último, quando você já tenha aprendido mais sobre o mercado e tenha uma proposta mais refinada para apresentar – não há uma resposta certa única, pois depende muito de cada caso, mas vale a pena considerar este elemento no momento em que estiver planejando sua jornada de escuta;
– Tratando de negócios de impacto de forma específica, cuidado para não cair em pensamentos como “mas é claro que as pessoas querem solucionar a questão dos resíduos na cidade, esse problema é muito relevante”. Como falamos no texto de reflexões iniciais, se permita pensar de forma mais cética: será mesmo que as pessoas se importam com seus resíduos? Será mesmo que elas pagariam do próprio bolso por uma solução? A beleza dos negócios de impacto está exatamente na união da superação de desafios sociais e ambientais relevantes com o atendimento de necessidades de mercado relevantes. Há de se considerar ambos aspectos.
– É um risco os empreendedores acharem que, por essa solução deixar o mundo melhor, as pessoas estarão dispostas se engajar. Mas, na prática não é tão fácil: não basta substituir um produto que já existe de uma forma “mais bonita” ou “mais sustentável”, pois a troca não é natural. A não ser que a necessidade do clientes seja especificamente de uma solução mais sustentável, você precisará oferecer de fato uma solução melhor que a atual, resolvendo de forma mais eficaz/eficiente/barata a dor do cliente. Entenda bem qual a necessidade do seu cliente para que depois tenha um bom embasamento para sustentar seu diferencial competitivo.
“Nenhum plano de negócio sobrevive ao primeiro contato com o cliente”
Essa frase de Steve Blank é ótima para traduzir a importância de envolver o cliente em todo o processo de desenvolvimento de um novo negócio, que se dá resumidamente nesta lógica:
Uma escuta de mercado bem feita faz com que você aprenda rápido e não perca tempo tentando resolver os problemas errados (ou seja, inexistentes ou irrelevantes) – ou desenvolvendo uma solução que não seja relevante para superá-lo. E isso é ainda mais importante para os negócios de impacto que se propõem a resolver problemas grandes e complexos.
Feito este primeiro passo, começamos a pensar na solução, entendendo o que é necessário para oferecer uma solução melhor para o cliente. Nesse texto do blog falamos sobre o encaixe do problema com a solução, o também chamado “problem-solution fit”.